Guilherme Boulos: A desobediência é um dever

Em sua primeira coluna na Mídia NINJA, o líder do MTST afirma que diante da escravidão a desobediência civil é mais do que um direito, é um dever.

 

No último dia 22, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei que regulamenta a terceirização de modo amplo e irrestrito. O PL 4302/98, que permaneceu 19 anos arquivado, é ainda pior que o PL 4330, levado à votação por Eduardo Cunha e que foi alvo de fortes protestos em 2015. Na prática é um desmonte da CLT, que coloca em xeque direitos conquistados secularmente pelos trabalhadores brasileiros.

 

O argumento do governo Temer e dos parlamentares que sustentaram o PL é de um cinismo delinquente: as leis trabalhistas seriam um entrave ao crescimento econômico e à geração de novos empregos. Assim, desmontar a legislação seria, no fim das contas, um benefício aos próprios trabalhadores.

 

Levantamento recente publicado pelo DIEESE mostra o que está em jogo e as consequências desastrosas da terceirização. Vamos aos dados.

 

Levando-se em conta a remuneração, os terceirizados ganham em média 23,4% menos que os trabalhadores contratados diretamente. Entre as mulheres e os mais jovens, o salário dos terceirizados é ainda menor. Se levarmos em conta empresas com 1000 ou mais funcionários terceirizados, a diferença salarial pode atingir até 47,6%. Mesmo entre os profissionais com o mesmo nível de escolaridade a diferença acumulada chega a 11,1% entre terceirizados e não terceirizados.

 

Quando a comparação envolve qualidade e condições de trabalho, os terceirizados também estão em larga desvantagem. A taxa de rotatividade dos trabalhadores terceirizados é o dobro dos demais. Enquanto a duração média de um vínculo de trabalho direto é de 5 anos e 10 meses, entre os terceirizados essa duração é de apenas 2 anos e 10 meses.

 

Como se não bastasse, a jornada de trabalho é maior entre os terceirizados e o percentual de afastamento por acidente trabalho também é superior.

 

Com todos esses dados, não restam dúvidas de que a terceirização representa um ataque às condições de trabalho no país. Os que defendem essa proposta são os mesmos que querem o fim da aposentadoria, os mesmos que acham que saúde e educação universal e gratuitos não cabem no orçamento.

 

Os que defendem essa proposta estão entre o 1% mais rico da população, que quer continuar ampliando seus privilégios. Não seria de espantar se o próximo passo fosse a revisão da abolição da escravidão. Talvez não seja necessário, já que 82% dos casos de trabalho análogo à escravidão encontrados nos últimos 20 anos se deram entre trabalhadores terceirizados.

 

Na prática, o que está em jogo é a destruição completa de direitos, com a desregulamentação do mercado de trabalho. A contratação de prestadores de serviços terceirizados como PJ (pessoa jurídica) permite relações de trabalho por contratos temporários que não asseguram nenhum dos direitos fundamentais, como férias, décimo terceiro salário, auxílio doença, licença maternidade, etc.

 

Hoje esses contratos já são permitidos, mas não para as atividades fundamentais de uma empresa, a chamada atividade-fim. Se o PL for sancionado por Temer e virar lei, este limite será quebrado e, com ele, a espinha dorsal da legislação trabalhista brasileira.

 

Essa semana a proposta da terceirização passará pelo seu primeiro teste das ruas. No dia 31 de março estão programadas mobilizações em diversas cidades do país contra a terceirização e a Reforma da Previdência. Será mais um dia de lutas em preparação para a greve geral de 28 de abril.

 

Não há outro caminho. É evidente que a batalha parlamentar precisa ser travada, assim como a judicial, com o julgamento do mandado de segurança do senador Randolfe Rodrigues no STF. Mas seria ilusão contar com este parlamento ou com este judiciário para frear os retrocessos de Temer. A única forma de reverter a terceirização e barrar os novos ataques é tomar massivamente as ruas, com greves, bloqueios e manifestações. Diante da escravidão, a desobediência civil é mais do que um direito, é um dever.

 

Por Guilherme Boulos

 

 

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