Vale tudo, o que vier, o que quiser?

Quanto Vale a vida?

 Foi com essa pergunta que muitos de nós nos deparamos ao acessar nossas redes sociais nos últimos dias. A expressão foi utilizada em uma enxurrada de postagens, notícias, protestos que, ao optar por utilizá-la, faziam claramente alusão e denúncia a outra enxurrada, à enxurrada de lama tóxica que tomou, até o momento, pelo menos outras oito localidades além de Bento Rodrigues e Mariana, as primeiras sentirem toda a toxicidade do desastre decorrente do rompimento de duas barragens de rejeitos das atividades de mineração. Não só ao desastre a expressão se refere, mas também aos seus responsáveis, dentre eles a empresa brasileira Vale S. A.

Toxicidade. Toxicidade esta não só representada pelo ferro, mercúrio, manganês, chumbo e cobre que levados pela lama e juntamente com ela conseguiram matar todo um ecossistema, soterrar espécies endêmicas e tornar as águas do Rio Doce totalmente inapropriadas para irrigação e consumo de animais e seres humanos. Mas também carregada do que há de mais tóxico em termos de civilização, que se acha capaz de sobreviver se colocando na posição de ser distante da natureza, negando qualquer relação de interdependência com a mesma, que não poupa esforços para explorar e exaurir seus recursos, que explora e gasta gente, muita gente, para servir à ganância e enriquecimento de poucos. Civilização que consegue carregar o pesado fardo que é transformar o conceito de felicidade na condição de consumo predatório, sem perceber que há muito já caminha em posição prostrada.

Assim, junto-me ao muitos que perguntam Quanto vale a vida? e também pergunto:

Vale, vale tudo?

A responsabilidade da empresa Vale é inegável, já que ela e anglo-australiana BHP juntas controlam a Samarco, empresa que explora e exporta o minério de ferro da região.

É interessante ressaltar que esta empresa, outrora estatal Vale do Rio Doce, fora privatizada no governo FHC em 1997 pela bagatela de R$ 3,3 bilhões, sim, bagatela perto dos R$ 92 bilhões em que estava orçada na época. Menos de um ano da venda o faturamento da empresa foi superior a R$ 10 bilhões, deixando claro o fundamento da resistência à privatização. Mais uma das empresas engolidas pela falácia da privatização que traria eficiência.

Em 2012, a Vale foi eleita a pior empresa do mundo pelo “Public Eye People’s” premiação realizada pelas ONGs Greenpeace e Declaração de Berna. Justificativa? Segundo o site da premiação, a nomeação da vale se baseia “história de 70 anos manchada por repetidas violações dos direitos humanos, condições desumanas de trabalho, pilhagem do patrimônio público e pela exploração cruel da natureza”. Confere, Mariana?

Para os acionistas de empresas como esta e tantas outras, os riscos de desastres e calamidades pouco importam, já que não existem prejuízos financeiros para as mesmas.

Vale o que vier?

Os danos ambientais provocados pela barragem de Samarco são visíveis, qualquer imagem das regiões atingidas consegue mostrar um pouco da dimensão do impacto. O ecossistema da região sofre agora com as perdas irreparáveis, os 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro despejados já demonstram parte do estrago e anunciam o que há de vir.

Os impactos se estenderão por muitos anos atingindo diversas dimensões do ecossistema, rios, flora, fauna, solo. Os recursos hídricos representados pelos rios da região sofrerão com o assoreamento decorrente do depósito de sedimentos que são arrastados e se depositam nos trechos onde a corrente é mais fraca, deixando rios mais rasos e com seus cursos desviados. Muitas nascentes foram soterradas e juntamente com elas a reprodução dos peixes, a saúde de rios e o abastecimento de cidades. Em pouco tempo o leito do rio virá a ser estéril. Será cada vez mais evidente a morte de peixes, invertebrados, algas, répteis e anfíbios.

O solo será alterado e sofrerá desestruturação química e alteração em seu pH, resultado do descarte do ferro e de outros metais secundários provenientes da atividade de mineração. A lama que soterrou a vegetação é pobre em nutrientes, não favorecendo em nada o crescimento vegetal, além disso, o ressecamento da lama dificultará a penetração de água. Resultado: solos inférteis.

Vale o que quiser?

Vale a imprensa omitir, em muitas das matérias já veiculadas, os nomes das empresas Vale e BHP como também responsáveis pela grande tragédia? Parece que neste caso os anúncios falam mais alto, não é mesmo?

Vale a imprensa caracterizar uma das maiores catástrofes ambientais do país como um acidente, algo inevitável?

Vale não mostrar ao Brasil as responsabilidades de atores políticos e econômicos na tragédia?

Vale os governos continuarem complacentes às práticas empresariais irresponsáveis, praticando o afrouxamento das leis e utilizando de instrumentos legais como os licenciamentos ambientais que dão a permissão para as atividade que geram destruição como, neste caso, o rompimento de barragens de rejeitos da mineração? Cabe aqui ressaltar que tal posição complacente por parte do Estado se deve, em grande parte, às vultosas doações empresariais para as campanhas políticas.

Ah, e não posso me esquecer de citar que o governo fez cócegas nos bolsos das empresas ao aplicar uma multa de apenas 250 milhões de reais. Vale só isso?

Volto a perguntar:

Vale tudo, o que vier, o que quiser?

Ah! E #NãoFoiAcidente

Débora Gisele Minigildo – Graduanda em Ciências Biológicas pela Unesp de Rio Claro.

dg_minigildo@yahoo.com.br


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